quinta-feira, 12 de maio de 2016

LITERATURA NACIONAL


 MANIFESTO DO MOVIMENTO
“VAMOS DESCOBRIR ANGOLA”

1. Em 1948, alguns escritores angolanos, tendo como figuras de proa Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto e Mário Pinto de Andrade criam o primeiro movimento literário dos naturais da terra, o Movimento dos Jovens Intelectuais. Esse grupo de intelectuais que viria a integrar a chamada Geração de 50, enquadrados na Associação dos Naturais de Angola, publica a primeira colectânea de poesia angolana, o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa. Também editaram o jornal MENSAGEM (Luanda, 1951-1952), com o intuito de "marcar o início de uma nova cultura, de e para Angola, fundamentalmente angolana". Este primeiro movimento cultural que surgiu em Angola adoptou o lema: “VAMOS DESCOBRIR ANGOLA”, que “incitava os jovens a redescobrir Angola em todos os seus aspectos através de um trabalho colectivo e organizado; solicitava o estudo das correntes culturais estrangeiras, mas com a finalidade de reflectir e nacionalizar suas criações positivas; exigia a expressão dos interesses populares e da autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse nenhuma concessão a avidez do exotismo colonialista. Tudo isto deveria basear-se no sentido estético, na inteligência, na vontade e na razão africanas".

2. Apesar da coragem e determinação deste grupo de intelectuais, sob o domínio da potência colonial portuguesa, MENSAGEM contou apenas com dois números, pois recebeu um veto do Governo-Geral de então, constituindo este revés um profundo golpe no iluminado propósito da Geração de 50.

3. No dia 11 de Novembro de 1975, após uma luta sem tréguas contra o colonialismo, Angola alcançava a Independência. Em 10 de Dezembro de 1975, era proclamada a UEA, com os objectivos de, nomeadamente, “Promover a defesa da cultura angolana como património da Nação; Estimular os trabalhos tendentes a aprofundar o estudo das tradições culturais do povo angolano; Fortalecer os laços com a literatura e as artes dos outros Povos Africanos;
Promoção dos valores culturais nacionais e de todas as conquistas universais”.

4. No 8 de Janeiro de 1979, considerado "Dia da Cultura Nacional", no acto de posse dos novos membros da União dos Escritores Angolanos, Agostinho Neto, sempre imbuído dos pressupostos da Geração de 50, defendia: “(...)  Do ponto de vista cultural, há que analisar. Não adaptar mecanicamente. Há que analisar profundamente a realidade e utilizar os benefícios da técnica estranha, só quando estivermos de posse do património cultural angolano. Desenvolver a cultura não significa submetê-la a outras.”

5. O curso da História da África Contemporânea veio provar que o slogan “Vamos Descobrir Angola” lançado em Luanda, em 1948, era já um prelúdio nacionalista do Renascimento Africano promulgado em 2013, pela União Africana, por ocasião do seu Jubileu de Ouro. Nos dias 22 e 23 de Agosto de 2013, foi lançada, na República do Congo, a Campanha do Renascimento Cultural Africano para os Estados Membros da África Central. A Campanha visou sensibilizar os Estados-Membros da União Africana a ratificar a Carta do Renascimento Cultural Africano e a promover o renascimento cultural africano e o espírito do Pan-Africanismo.
A Carta do Renascimento Cultural Africano, no seu artigo 3º, coloca como um dos objectivos cruciais: “l) dotar os povos africanos de recursos que lhes permitam fazer face à globalização.”

6. É consabido  que as nações mais desenvolvidas conservam sempre um pano de fundo residual cultural, prioritariamente determinado pela língua, mesmo que essas nações sejam feitas de vários povos e nações misturados. Já entre nós, aqui na África Austral, o substrato bantu está a diluir-se a cada década que passa, está a tornar-se obsoleto, e um elemento desse substrato, as línguas locais, está em desuso paulatino.

7. Com a expansão das Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs), hoje, no século XXI, o Mundo deixou de ser uma Aldeia Global (numa aldeia, há espaços largos de mobilidade) para se tornar um Apartamento Global, onde a privacidade perde as fronteiras e tudo se sabe sobre todos (Big Brother global).
Se a imediata universalização das tendências da Arte Universal, nos domínios da Literatura, da Música, da Pintura, do Cinema, do Teatro, da Dança, etc., constitui um factor positivo a ter em conta no uso generalizado das TICs, há um aspecto negativo que consiste no facto de que a Globalização, com o apoio das TICs, criou a miragem de que a uniformidade artística pelo padrão ocidental significa modernização. Portanto, há uma desconsideração do fenómeno da Diversidade a favor de uma polarização universal. A cultura dominante anglo-saxónica ampliou a paleta comercial e hoteleira da nossa arquitectura social urbana com denominações inglesas.

8. Como está definido nos princípios fundamentais da política cultural da Carta, no seu Artigo 21º: Os Estados africanos deverão: a) assegurar que as tecnologias de informação e comunicação são utilizadas para promover a cultura africana.”
Foi este precisamente o legado que nos deixou a geração da revista Mensagem para quem “A nova poesia de Angola teria de encarar o ritmo-emoção característico do homem africano; ritmo-emoção esse que lhe era transmitido pela própria natureza em que ele se integrava e com quem vivia em contacto directo e em plena comunhão.”

9. Hoje, a Cultura Angolana apresenta uma diversidade de manifestações muito ricas nos domínios das Artes e das Letras, manifestações essas que representam a síntese estética dos sentimentos e emoções colectivos de todo o Povo, da Alma de uma Nação.

10. Neste contexto, e porque os ideais de emancipação e afirmação cultural da Geração de 50 ficaram cristalizados no crisol da História de Angola, apesar dos seus mentores desaparecerem na curva do tempo, a UEA entende que a sombra protectora e libertária da nossa bandeira confere-nos a mais lídima oportunidade para recuperamos esse rico e inextinguível legado que as gerações dos nacionalistas não puderam concretizar, dada a incontornável repressão colonial.

11. Neste momento de grande transcendência histórica, num contexto de profunda transformação material da sociedade e de modernização do Estado Angolano, a UEA propõe-se resgatar alguns esses valores essenciais do nosso património ancestral, com vista a valorizar o produto cultural e o estatuto do escritor deste tempo.

12. A total liberdade conferida pela Independência de Angola constitui uma oportunidade para o resgate pleno de vários instrumentos ideológicos culturais que nos foram legados pelos nossos ancestrais. A UEA, enquanto legítima herdeira dessa tradição literária, mantém firme a ideia de que a independência de Angola não significa uma ruptura com os ideais do Pan-Africanismo e do Movimento de Libertação. Dentre eles, os que orientaram a fundação do movimento dos Novos Intelectuais de Angola, particularmente o slogan cultural "Vamos Descobrir Angola!", como expressão da nossa maneira africana de sentir, e que Agostinho Neto condensou de forma magistral na sua ode ‘A Voz Igual’, com esta frase lapidar “Reencontrar a África”, e, nos versos sublimes: “a forma e o âmago/ do estilo africano de vida”.

13. Com este ideário histórico-cultural, é possível aos membros da UEA iniciarem um movimento de renascimento artístico-cultural e congregarem em torno dele outros Artistas Angolanos, sob o lema ‘VAMOS DESCOBRIR ANGOLA’ que procurará, com meios e capacidades intelectuais dos seus membros, e por meio da cooperação com o Executivo Angolano e as instituições e organizações angolanas, a União Africana, a UNESCO e os artistas e intelectuais de todo o planeta, iniciar acções com vista a:

a) Retomar e promover os postulados teórico-culturais do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, de 1948, e do seu slogan apócrifo VAMOS DESCOBRIR ANGOLA, no sentido de ‘combater o respeito exagerado pelos valores culturais do Ocidente (muitos dos quais caducos); incitar os jovens artistas e escritores a redescobrir Angola em todos os seus aspectos; estudar as modernas correntes culturais estrangeiras, mas com o fim de repensar e nacionalizar as suas criações positivas e válidas; pautar-se, na obra de arte, por privilegiar a expressão da autêntica natureza africana, com base no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão africanas’;
b) fortalecer o papel do património cultural e natural na promoção da paz e da reconciliação nacional;
c) estudar e divulgar os recursos para lidar com a globalização, em particular, o conceito de crescimento qualitativo dos valores éticos e estéticos, dos padrões de convivência, que enriquecem a vida humana e que constituem a esfera ampla da Cultura e dos outros elementos que constituem a ‘ARTE DE VIVER’.


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